Temos o privilégio de viver no Bairro Ribeirinho da Baixa de Faro.
Num dédalo de ruas, becos e travessas de geometria irregular irrompem as casas, quase todas de traça antiga e quase todas coladas umas às outras, cujas portas e janelas emolduram a calçada.
E nessas casas moram pessoas, de todas as idades, de muitos ofícios e de várias nacionalidades, todas com, pelo menos, dois elementos em comum: o gosto por este recanto da cidade que mais se parece com uma aldeia e a exigência de que os direitos fundamentais para o bem-estar das pessoas nunca fiquem esquecidos, o direito à segurança, ao descanso e a viver num ambiente limpo, saudável e ecológico.
Foi com o intuito de valorizar e melhorar o sítio onde escolhemos morar que, enquanto cidadãos, a 5 de julho de 2022, fundámos uma organização sem fins lucrativos chamada Associação Bairro Ribeirinho.
Todos as cidades vivem as suas contradições e o nosso Bairro não foge à regra: de dia é uma aldeia no coração da capital de distrito, o mais autêntico na alma e o mais poliglota, o mais discreto e o mais fotografado por quem nos visita, uma aguarela de tons pastel com apontamentos de cores vivas.
À noite, porém, esta aguarela preenche-se de tons de cinzento e negro.
"À noite ressuscitam os fenómenos mais desengraçados: prostitutas e proxenetas, drogados e traficantes, gritos e ruídos, lixo e dejetos humanos, gatunos e assaltantes".
Esta é a descrição, bastante gráfica, da cidade de Nova Yorque à noite, no filme Táxi Driver mas, tristemente, as mesmas palavras encaixariam na perfeição numa crônica de uma noite qualquer do Bairro Ribeirinho de Faro, faltando ainda a parte dos póstumos efeitos colaterais visíveis nas manhãs, quando saímos das nossas casas e nem sempre conseguimos, simplesmente, andar a pé.
Nenhuma cidade deveria ser tão grande ao ponto que um ser humano, de manhã, não consiga simplesmente sair da sua casa e andar a pé... Já nos chamaram de loucos por termos escolhido este bairro para morar ou para trabalhar, já nos disseram para ir para outro lugar, assim como já nos foi dito que "este é o país que temos"...
Não, não somos loucos!
Não, não vamos para outro lugar!
E não, este não é o país que temos, nem o Bairro que queremos que assim seja rotulado!
Estaremos aqui para os que cá vivem e trabalham, para quem nos visita e aprecia e para os que aqui quiserem viver ou trabalhar.